De repente me dei conta de que o meu pequeno já não é mais uma criança. Ele prefere ficar em casa a sair para passear com os pais. Está mais ligado em marcas de roupas e de tênis e já não quer nem saber das coisas que eu compro para ele. Ele faz sua lista de presentes na Amazon e não na loja de brinquedos. Conhece muito sobre eletrônicos, prefere assistir vídeos de youtubers à programação na TV e passa a maior parte do tempo no seu quarto, com os fones nos ouvidos, concentrado no seu mundo.
O fim da infância
Eu me lembro muito bem do dia em que saímos para comprar um par de tênis. Fomos em umas quatro ou cinco lojas e ele não gostava de nada, até que encontrou o que estava procurando: “é esse que eu quero. Eu já tinha visto na Internet e está no meu carrinho (da Amazon).”
Nunca imaginei que meu filho, tenista, desejasse um tênis de basquete para ir para escola e para as festinhas! Foi naquele momento que pensei “Caramba, ele já tem seu próprio gosto.” Pode até ter sido influenciado pelos amigos, mas ele demostrou que sabia o que queria e percebi que ele estava diferente!
Estamos em uma nova fase do ciclo de vida, uma fase recente que ainda nem entrou na descrição do ciclo de vida de Carter e Mac Goldrick, descritas neste texto.
Pré-adolescência – uma construção social recente
A pré-adolescência é uma “invenção” do século XX, da mesma forma que a infância foi uma invenção do século XVIII e a adolescência foi uma invenção do século XIX. Sendo assim, estas fases estão relacionadas ao contextos cultural, econômico e político daquelas épocas. Em outras palavras, o mundo muda, os padrões de comportamento mudam e algumas fases são inventadas, ou construídas socialmente.
Naquele texto anterior sobre o ciclo de vida, comparei a mudança de fase na vida a uma nova etapa do videogame. Como no jogo, precisamos aprender um monte de coisas novas, mas, diferente dele não podemos desistir, cansar e nem desligar o jogo. Às vezes dá vontade. Mas “na vida real” não temos como apertar o “pause” para continuar depois e nem o “off” para desligar.
Desafios e característica da pré-adolescência
O primeiro desafio para os pais está na delimitação do período. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência vai dos 10 aos 19 anos, para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o período entre os 12 e os 18 anos. Há quem defenda que a pré-adolescência é o período dos 10 aos 14 anos ou dos 8 aos 12 anos. Tudo bem! Essa é uma divisão didática. O mais importante é observar as alterações físicas e comportamentais das crianças, pois são seus comportamentos que indicarão em qual momento do seu desenvolvimento elas se encontram.
Perceba:
– De uma hora a criança passa de carinhosa ou dengosa para argumentadora capaz de interromper uma discussão batendo a porta do seu quarto.
– Eles não querem mais brincar de bonecas, carrinhos, playmobil, e não querem que seus pais lhes contem histórias antes de dormir. É muito importante que eles brinquem, tenham tempo livre. E nós, pais, podemos estimulá-los a descobrir novos interesses, oferecendo jogos de tabuleiros, filmes, esportes etc. Aqui em casa o telescópio e livros sobre os astros foram a grande novidade.
– Eles podem voltar a ter medo de escuro, de ficar em casa sozinhos. Ao mesmo tempo em que desejam conquistar mais autonomia.
Fase de muitas mudanças cerebrais
Durante a pré-adolescência acontecem muitas mudanças físicas tais como o estirão do crescimento e o surgimento da menarca (primeira menstruação) nas meninas. Mas essa é uma fase de muitas mudanças cerebrais. É a fase do maior número de sinapses. São tantas sinapses que o cérebro fica um pouquinho maior, voltando ao seu tamanho normal na adolescência.
Também é na fase da pré-adolescência que o sistema límbico – responsável pela regulação das emoções – começa a amadurecer. O filme “Divertida Mente” da Pixar mostra o funcionamento do cérebro de Rilley, uma menina de 11 anos – pré-adolescente – com a mistura e a intensidade de emoções características dessa fase.
Ele não é mais criança, mas também não é adolescente. Em inglês, os pré-adolescentes são conhecidos como os tweens, que vem de between (entre), ou seja, estão entre a infância e a adolescência. Me dei conta de que estamos vivendo a pré-adolescência – ele como sujeito ativo, que vive e experimenta as mudanças na sua vida; e eu como mãe, tentando entender e lidar com os novos comportamentos.
E é justamente por essa mistura e intensidade que nós, pais, devemos acolher os sentimentos dos filhos sem minimizá-los. Nossos filhos pré-adolescentes ainda estão aprendendo a nomear e a gerenciar suas emoções. Se você quiser saber mais sobre o mundo dos pré-adolescentes sugiro o livro “Pré- adolescente – Um guia para entender seu filho”, da jornalista Daniela Tofoli.
Além de todas as mudanças, os pré-adolescentes são nativos digitais. Pais e filhos nunca fizeram parte de gerações tão diferentes como atualmente e essa diferença pode ser responsável por um desafio extra dessa etapa.
Gerações X,Y,Z Alfa
Os pré-adolescentes de hoje são membros de uma geração muito diferente da de seus pais. Talvez, vocês já tenham ouvido falar sobre essa classificação das gerações e nem saiba muito bem para o que ela serve.
Na realidade, tudo isso começou no início do século XX, quando as empresas de marketing começaram a estudar o comportamento dos consumidores para oferecer produtos e serviços capazes de satisfazer as suas necessidades. Quando falamos em gerações não nos referimos apenas a diferenças de idade, mas a todo um arcabouço de vivências e experiências que norteiam a maneira de cada um ver o mundo
Se o intervalo entre as gerações era de 25 a 30 anos, hoje ele é bem menor, cerca de 10 anos. Nós, pais, somos de uma geração muito diferente daquela dos nossos filhos, com valores, crenças e ideologias próprias.
Geração Alfa
A geração que nasceu no ano 2010 (geração alfa) possui o mundo nas palmas da mão, literalmente. Como se seus smartphones fossem continuação dos seus membros superiores. Claro que essa é uma caricatura da geração que nasceu conectada 24 horas por dia, e que, por influência do wi-fi eles:
(1) têm uma outra noção de fronteiras geográficas (já nasceram no mundo globalizado),
(2) têm uma outra noção de tempo,
(3) sua leitura é em hipertexto (o tipo de escrita eletrônica, não linear que permite ao leitor clicar em links para aprofundar em determinados assuntos),
(4) recebem muitos estímulos e podem ter dificuldade em se concentrar.
É uma geração que não entende muito bem o porquê de “obedecer” seus avós. Sim, eles são questionadores e a autoridade passa pelo número de seguidores no Youtube e não pela idade. Aliás, apesar da legislação só permitir a criação de perfis em rede social a partir dos 13 anos, essa é a geração da “vida perfeita” mostrada nas redes sociais (pois ninguém posta o lado chato, difícil ou ruim).
Uma dica para pais de filhos pré-adolescentes: tentem observar o comportamento dos seus êlhos, sem julgamentos de valores. Perguntem a eles “Como você está?” ou “Como você está se sentindo?”. Deem colo quando eles pedirem e não cobrem tanto deles – eles são tweens.