Este texto foi publicado pela 1a vez em 2020 no site maesmundoafora que atualmente esta fora do ar
Hoje vou contar sobre como é ter filhos atletas em casa, um pouco da nossa rotina, do investimento que toda a família precisa fazer e dos inúmeros aprendizados que as crianças levam da quadra de tênis para a vida.
Meus filhos – um menino de 12 e uma menina de 16 anos – jogam tênis desde pequenos e há 5 anos, quando ainda morávamos no Rio de Janeiro, começaram a participar de torneios. Quando viemos para a Itália, um dos critérios para a escolha da cidade foi a existência de um bom centro de treinamento que pudesse acolhê-los.
Além deles serem atletas federados e terem o desejo de continuar competindo, o esporte traz muitos benefícios para a vida e pode facilitar bastante o processo de adaptação no novo país.
Um fato curioso é que, por aqui, muitos colegas de escola são federados em algum esporte – basquete,vôlei, rugby, natação, futebol, ciclismo, esgrima, etc – e alguns chegam a competir em dois esportes diferentes. Com o tempo, percebi que “ser federado” na Itália é tão comum quanto fazer cursos de línguas no Brasil. Quem tem condições financeiras de fazer, faz. Por outro lado, poucos estudam idiomas fora da escola.
Foto arquivo pessoal – Joaos aos 8 anos
O dia a dia das crianças
Em período de aulas, eles treinam cinco vezes na semana (segunda, terça, quinta e sexta-feira, além do sábado). Uma hora e meia de treino em quadra mais uma hora de preparação física. A rotina deles é bem puxada – escola na parte da manhã, clube de tarde e estudo de noite. Na tarde livre, têm o curso de língua estrangeira – inglês para ele e alemão para ela.
Com tantos compromissos, as crianças aprendem sobre a organização do tempo. Não basta ir para a escola, é preciso ter tempo para fazer a lição e estudar para as provas. Nas férias, os treinos acontecem de manhã e de tarde e passam de cinco para nove sessões semanais. Intensificam-se os treinos porque é quando jogam mais torneios.
A rotina de treino não é muito diferente, mas o ambiente sim. No Brasil, o tênis está longe de um ser uma preferência nacional, então o número de crianças que jogam tênis no Rio de Janeiro é bem pequeno e as que competem é ainda menor. Na categoria até 16 anos no Rio não tinha nem 10 meninas federadas. Em Padova, que é uma cidade com 260 mil habitantes, só no clube onde a minha filha treina são 12 meninas.
Além do treino de quadra e da preparação física, o grupo do tênis de competição conta com um preparador mental que propõe algumas atividades em grupo e entrevistas individuais.
Apesar de ser um esporte individual, existe o torneio de equipe durante todo o ano. Vou escrever sobre isso no próximo texto.
Muitos torneios
Estamos falando de esporte de competição. As crianças treinam para competir. E nós, pais, precisamos estar disponíveis para que elas participem dos torneios que acontecem, principalmente, nos fins de semana – o que não prejudica a escola, mas atrapalha bastante a vida social de toda a família.
Pode parecer um comentário meio egoísta, mas muitas vezes precisamos abrir mão de momentos com amigos e a família em função dos torneios. Eles não jogam em todos os fins de semana do ano, mas já tiveram jogos durante a Páscoa, no dia das mães, no dia dos pais, no dia de aniversário, etc. Como os horários das partidas são definidos de véspera, é impossível programar qualquer coisa. Quem tem filho atleta sabe do que eu estou falando.
Competir e aprender lições para a vida
O atleta infantojuvenil pode ter um dos três objetivos:
1. se tornar um profissional do esporte,
2. entrar para uma universidade americana com uma bolsa de estudos para atleta, e muitos adolescentes sonham com isso; ou,
3. levar lições do esporte para a vida.
Na verdade não são objetivos excludentes. Contudo, acredito que muitos pais valorizem o terceiro objetivo enquanto que os filhos, de acordo com a idade, concentrem-se mais nos dois primeiros.
As crianças menores são mais focadas no “aqui e agora”, no tempo presente. Treinam porque se divertem muito, adoram o esporte e o estar com os amigos. Sonham em se tornar um jogador profissional como o seu “ídolo”. Competem pensando em ganhar e se frustram quando perdem. E olha que, no tênis, eles mais perdem do que ganham, já que em um torneio com 32 atletas, apenas um sairá vencedor. Várias vezes, antes de uma partida, eu disse para os meus filhos – “Vai lá e se diverte!” “Quero que você aprenda a perder!”, porque eles ficavam muito aborrecidos quando perdiam uma partida. Isso não faz nenhum sentido para eles.
Expectativas tão diferentes
Como mãe, vejo que não é nada fácil lidar com expectativas tão diferentes. Recentemente fiz uma pós graduação em Psicologia do Esporte. Sou uma mãe “mental coach”. Não sou a preparadora mental dos meus filhos porque “santo de casa não faz milagres”, mas aprendi a teoria do que vejo acontecer na quadra e fora dela.
Não é raro vermos crianças (e até adultos) se comportando de maneira inadequada no jogo – algumas choram baixinho, outras desesperadamente; algumas batem e até quebram a raquete quando erram um golpe ou perdem um ponto. Aprendi que esse comportamento, que muitas vezes pode parecer falta de educação, está relacionado à forte emotividade e à dificuldade de a criança lidar com o turbilhão de sentimentos e emoções, sobretudo, quando está vivendo a tensão e a pressão de uma partida.
Lidar com as emoções é um tema que merece outro texto: não aprendemos a reconhecer nossas emoções mas, vamos voltar nesse assunto em um outro momento.
O papel dos pais
Os pais são os “paitrocinadores”. Arcam com as despesas, preocupam-se com a logística diária e precisam estar disponíveis para os torneios. Conforme os filhos crescem, estes se sentem mais pressionados pelos resultados, pois reconhecem o esforço que toda a família faz.
Fotos de arquivo pessoal
Aprendi na prática e na teoria que temos que saber como nos comportar. Existe uma linha tênue entre incentivar e cobrar. É muito importante respeitar esses limites, contudo é extremamente difícil.
O que as crianças aprendem com o esporte?
Além de criar um ambiente saudável, ideal para crianças e adolescentes crescerem e se desenvolverem, como atletas infantojuvenis aprendem a cuidar do corpo com alimentação saudável, hidratação adequada e horas de sonos suficientes. Aprendem sobre
disciplina, pontualidade e organização. Aprendem sobre respeito às regras, às pessoas e à autoridade.
Autoconhecimento e adaptação
O esporte de competição (ou de alto rendimento) permite ao atleta se conhecer e reconhecer suas emoções e ainda, a se adaptar às diferentes situações.
O atleta, aquela criança que chora quando perde a partida, se e quando existe um trabalho de apoio emocional, aprende a se conhecer e a reconhecer as suas emoções em jogo e a usá-las ao seu favor. Sentir raiva durante uma partida não é um problema. A raiva é uma energia que pode ser transformada em força, que também é energia. O problema surge quando o atleta é dominado pela emoção e não consegue mais raciocinar.
O atleta treina em um clube, conhece muito bem as quadras e seus parceiros de treino, é como se ele tivesse o controle da situação. Está em um ambiente confortável. Participar dos torneios faz com que ele saia totalmente dessa zona de conforto e precise se adaptar às novas situações.
Durante o jogo de tênis, o atleta aprende que a vida é feita de escolhas e toda escolha traz consequências. Se fez uma escolha errada, não pode ficar pensando no que deveria ter feito de diferente, deve se concentrar na próxima bola. Não é fácil mas é super importante para a vida